terça-feira, 31 de janeiro de 2017



O caminhão de madeira


Lívia Alencar

Era uma vez um homem. Um homem-menino. Em meio às preocupações corriqueiras e responsabilidades que chegam com a vida adulta, o menino quase havia desaparecido dentro dele - ou melhor, estava escondido...
Certa tarde esse homem caminhava por uma avenida movimentada quando passou por uma loja. Parou de repente. Não era uma loja de carros importados, nem artigos esportivos, e sim de artesanatos. Alguma coisa ali na vitrine chamara sua atenção. Fixou o olhar. Era um caminhão de madeira, desses de brinquedo. Entrou na loja e dirigiu-se à prateleira. Pegou. Examinou o caminhãozinho por todos os lados, enquanto seus olhos brilhavam. Quem por ele passou naquele momento não podia imaginar a torrente de memórias que tomava conta de sua mente...
Viu-se pequeno, outra vez menino, dentro do carro velho da família com seu pai. Passaram por um vendedor na estrada - era um vendedor de caminhões de madeira. O olhar curioso do menino logo se transformou em querência: “Pai, me dá um caminhãozinho?” O pai lançou um olhar sério para o filho, sem nada dizer. Outras vezes mais o menino passaria com seu pai por aquele vendedor e seus olhinhos fitariam os caminhões de madeira.
Um dia o menino voltou da escola e, para sua surpresa, encontrou um caminhão de madeira em cima da cama! Correu para dar um abraço forte no pai, que explicou: “Fui eu que fiz para você, meu filho.” Brincou a tarde toda. Era seu, só seu, aquele caminhão de madeira! E era especial, porque seu pai o tinha feito. Muitas vezes mais brincou com o caminhão, e como foi feliz naqueles dias!
Essas foram as memórias que passaram pela mente daquele homem-menino. Não conseguiu segurar seu impulso: pegou o celular e discou. “Pai? Oi, pai! Eu queria te contar que estava passando por uma loja e vi um caminhão de madeira, e me lembrei daquele que o senhor fez para mim quando eu era criança, lembra? Eu gostava tanto dele!”
Do outro lado da linha, silêncio total.
Era uma vez um homem. Um homem-ancião, marcado pelas batalhas da vida. Estava esse homem um dia assolado por uma tristeza dessas que vem não sei de onde e teimam em ficar. De repente, o telefone tocou. Era seu filho, que morava bem longe. Ouviu-o e silenciou. Uma torrente de memórias apoderou-se de sua mente...
Viu-se novo, muito mais novo, dirigindo seu carro velho com o filho. Passaram por um vendedor de caminhões de madeira e, naturalmente, o filho lhe pediu um. Ele não soube o que dizer. Mal sobrara dinheiro naquele mês para pagar a gasolina do carro. A comida em casa era pouca. O trabalho de pedreiro era duro. Não tinha dinheiro para presentes. Outras vezes mais passaram pelo vendedor e o menino sempre com aquele olhar.
Decidiu ele mesmo fazer o caminhão. De marcenaria não entendia muita coisa, mas não podia ser tão difícil. Só que foi. Todos os dias, antes de sair para o trabalho de madrugada, trabalhava um pouco no caminhãozinho, serrando a madeira aqui, montando ali. O resultado não foi tão bom quanto gostaria, mas foi o melhor que conseguiu fazer. Acomodou o caminhão sobre a cama do filho antes que ele chegasse da escola. O abraço apertado foi a recompensa pelo trabalho!
Agora, naquele momento, tantos anos depois, o telefonema do filho sobre o caminhãozinho de madeira...
Uma lágrima escorreu por um olho, e atrás vieram outras. Um calor gostoso tomou conta de seu peito e substituiu a tristeza.


Afinal, valia a pena viver!

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