O caminhão de madeira
Lívia Alencar
Era uma vez um homem. Um
homem-menino. Em meio às preocupações corriqueiras e responsabilidades que
chegam com a vida adulta, o menino quase havia desaparecido dentro dele - ou
melhor, estava escondido...
Certa tarde esse homem caminhava por
uma avenida movimentada quando passou por uma loja. Parou de repente. Não era
uma loja de carros importados, nem artigos esportivos, e sim de artesanatos.
Alguma coisa ali na vitrine chamara sua atenção. Fixou o olhar. Era um caminhão
de madeira, desses de brinquedo. Entrou na loja e dirigiu-se à prateleira.
Pegou. Examinou o caminhãozinho por todos os lados, enquanto seus olhos brilhavam.
Quem por ele passou naquele momento não podia imaginar a torrente de memórias
que tomava conta de sua mente...
Viu-se pequeno, outra vez menino,
dentro do carro velho da família com seu pai. Passaram por um vendedor na
estrada - era um vendedor de caminhões de madeira. O olhar curioso do menino
logo se transformou em querência: “Pai, me dá um caminhãozinho?” O pai lançou
um olhar sério para o filho, sem nada dizer. Outras vezes mais o menino
passaria com seu pai por aquele vendedor e seus olhinhos fitariam os caminhões
de madeira.
Um dia o menino voltou da escola e,
para sua surpresa, encontrou um caminhão de madeira em cima da cama! Correu
para dar um abraço forte no pai, que explicou: “Fui eu que fiz para você, meu
filho.” Brincou a tarde toda. Era seu, só seu, aquele caminhão de madeira! E
era especial, porque seu pai o tinha feito. Muitas vezes mais brincou com o
caminhão, e como foi feliz naqueles dias!
Essas foram as memórias que passaram
pela mente daquele homem-menino. Não conseguiu segurar seu impulso: pegou o
celular e discou. “Pai? Oi, pai! Eu queria te contar que estava passando por
uma loja e vi um caminhão de madeira, e me lembrei daquele que o senhor fez
para mim quando eu era criança, lembra? Eu gostava tanto dele!”
Do outro lado da linha, silêncio
total.
Era uma vez um homem. Um
homem-ancião, marcado pelas batalhas da vida. Estava esse homem um dia assolado
por uma tristeza dessas que vem não sei de onde e teimam em ficar. De repente,
o telefone tocou. Era seu filho, que morava bem longe. Ouviu-o e silenciou. Uma
torrente de memórias apoderou-se de sua mente...
Viu-se novo, muito mais novo,
dirigindo seu carro velho com o filho. Passaram por um vendedor de caminhões de
madeira e, naturalmente, o filho lhe pediu um. Ele não soube o que dizer. Mal
sobrara dinheiro naquele mês para pagar a gasolina do carro. A comida em casa
era pouca. O trabalho de pedreiro era duro. Não tinha dinheiro para presentes.
Outras vezes mais passaram pelo vendedor e o menino sempre com aquele olhar.
Decidiu ele mesmo fazer o caminhão.
De marcenaria não entendia muita coisa, mas não podia ser tão difícil. Só que
foi. Todos os dias, antes de sair para o trabalho de madrugada, trabalhava um
pouco no caminhãozinho, serrando a madeira aqui, montando ali. O resultado não
foi tão bom quanto gostaria, mas foi o melhor que conseguiu fazer. Acomodou o
caminhão sobre a cama do filho antes que ele chegasse da escola. O abraço
apertado foi a recompensa pelo trabalho!
Agora, naquele momento, tantos anos
depois, o telefonema do filho sobre o caminhãozinho de madeira...
Uma lágrima escorreu por um olho, e atrás
vieram outras. Um calor gostoso tomou conta de seu peito e substituiu a
tristeza.
Afinal, valia a pena viver!